sábado, 3 de julho de 2010

AB ABSURDO... CBJE... A RUA/ CONTO DE AIRTON SOUZA

                                                           Airton Souza Marabá / PA

A rua
Outro dia trafegava sobre os pedregulhos desconhecidos, de uma rua até então também desconhecida para mim, avistei ao longe aquela adarve que daria acesso direto rumo à casa paternal. Havia eu já cruzado, porém tantas outras ruas. Ruas de características próprias, de formas contundentes; de cores viventes; com nome e codinomes estranhos.
Transpassado por uma emoção arrebatadora, fui aos poucos sendo corrompido pelos sonhos e pelas esperanças fabulosas, que há tempos passados haveriam de serem se não me falha a memória todos meus. Lembrei-me daquele tempo em que eu era apenas um menino; franzino e amarelado, que teria quem sabe sonhado sonhos irrealizáveis.
As ruas por onde perambulei, fizeram me crer que tudo seria como uma eterna infância, ainda mesmo que o futuro já tivesse caminhos certos e traçados. Assim, nem dei tanta importância para os episódios, nem atribuindo os valores merecidos aos momentos vivenciados por mim.
Para mim, a cada amanhecer, imaginava que poderia agir conforme minhas próprias vontades e desejos. Só por orgulho mesmo imaginava isso.
Quem de nós nunca se deu conta, depois de passados muitos anos de vivencia, que tudo em nossa volta estava errado? E que agora já não é como imaginávamos que seria?
Foi bem o que aconteceu comigo. Que imaginei um futuro promissor e já vivendo um presente tão insosso nunca imaginado.
Ao avistar a rua paternal, meus olhos encolheram um pouco suas pálpebras, para ir muito mais além da rua, tentando alcançar a casa, em vez da rua.
A casa paternal naquela rua era bem fácil de ser distinguida. Pelas suas cores, pelas suas formas simples, pelo seu cheiro, pelo velho telhado e pela suas paredes internas de argilas.
Foi ali que residiram vidas, sorrisos e sonhos.
Corrompido por uma emoção inexplicável fui guiado rumando á rua paternal. Mesmo sabendo que ela é quem busca o passado, sem poder medir qualquer que foi sua consequência, os fatos impostos como obstáculos e as respostas para um presente insolúvel.
E foi talvez buscando tudo isso que eu cruzei todos os pedregulhos ali situados, sem perceber o seu término.
Antes, eu tinha atravessado diversas outras ruas, todas estranhas para minha em um primeiro momento. Porém, a cada passada dada, fui aos poucos recordando as cenas vividas ali. Tudo foi se tornando familiar ao meu ego. As casas, os aromas, as cores, as faces e as vozes estavam trazendo á tona o que a infância tinha me dado como consolo. É certo, que fui para essas ruas uma espécie de ser migrador. Mais assim mesmo todas elas compõem a saga que hoje sou.
Envolto por uma forte emoção que aquelas ruas me causavam com todos os seus detalhes já citados aqui, e por alguns outros adjetivos não empregados, fui sendo absorvido por outra emoção que tanto me acolheu ao longo dos anos. Foi aquela rua sem saber que me transformou neste homem, quando em um belo dia eu dormir criança e acordei homem.
O impulso a primeira vista foi de uma completa saudade de todo um passado feliz. Porém, logo em seguida fui corrompido pelas lembranças e pelas dúvidas insaciáveis que surgiram naquele momento.
Como estaria hoje o casebre paternal?
E os meus amigos, o labigó, o nam, o zandinha, o uilquer e muitos outros que amarelinhos como eu na criancice correram feliz pelas ruas?
Não conseguir até agora entender o que realmente me trouxe até aqui, nessas lembranças, que só me fazem sofrer.
“Talvez a rua”
Passada a emoção guiadora, bateu-me uma melancolia mortal, por imaginar o que foi capaz de produzir o capitalismo ao passar dos anos. Com essa imaginação, parecia ver a rua paternal toda modificada. Onde estava localizado o antigo casebre, imaginei existir agora uma imperadora mansão, sendo monitorada por diversas câmaras por todos os lados, muros altos, cerca elétrica, lindas janelas de vidros. Onde era argila, agora, vigora o concreto e ferro. O telhado também não seria mais o mesmo. As cores e os aromas, agora eram outros com certeza. Fui imaginando tudo isso e continuando em minha caminhada curiosa. Não me custaria nada saber o que realmente a vida teria preparado para a rua e para a casa paternal.
Enquanto meu pensamento voava em dúvida e curiosidade, formando adjetivos que agora fariam parte de ambas os espaços físicos. Talvez o que eu estava sentido era uma impotência por não ter conseguido conservar tudo e todos como deveras queria. E foi nessa luta íntima contra o futuro real, que quanto mais eu caminhava para saciar minha curiosidade, percebia que poucas coisas haviam mudado por ali. A casa da Dona Dica ainda estava conservada da mesma maneira.
Não demorei enxergar a casa paternal. Que com o reflexo do forte sol me parecia também está do mesmo jeito. A emoção dentro de mim se multiplicava.
Agora parado em transe, em frente ao casebre paternal, vir com os meus próprios olhos que tudo estava lá do mesmo jeito em que eu havia deixando quando partir em viagem clandestina pela vida. Notei ainda que a porta estava aberta, e parecia me chamar com saudades para o seu interior. E eu já sem poder resistir tanto ao seu chamado e a minha curiosidade, fui caminhando pela grama que meu papai tanto cuidava em suas manhãs solitárias, sentado na porta do casebre esperando o amanhecer se firmar de vez.
Adentrei ao recinto sem poder conter minhas lágrimas, que desciam aos montes, e fui notando que a saleta tinha o mesmo aroma, a conzinha com todas as panelas de alumínio amassado, os copos que saciaram tanto minha sede de criança. Vir os dois quartos onde nós dormíamos sonhando uma vida melhor em futuro que nunca parecia chegar. As escápulas que penduravam as redes minha e de meus irmãos ainda estava ali, parecia esperar novamente por nós.
É o casebre paternal conservado e com o mesmo aroma, era como um monumento funerário sem nós vivendo nele. Como vir que tudo estava em seu devido lugar, faltando muitos outros sentimentos, abandonei novamente a casa e a adarve de minha infância e partir em busca do que estava faltando.



fonte: Antologia Online Ab Absurdo da CBJE

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